Atingidos por Renováveis se organizam para intervir no modelo energético nacional

A Cáritas Brasileira Regional Nordeste 2 – CBNE2 participou, neste fim de semana (23 a 25), do 1º Encontro Nacional do Movimento dos Atingidos por Renováveis (MAR). O movimento reúne 79 organizações da sociedade civil, entre as quais comunidades afetadas pelo modelo energético brasileiro, em particular pelos grandes empreendimentos eólicos e solares.
Representantes de pescadores, agricultores familiares, quilombolas, indígenas e instituições parceiras vieram de Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte. Cada uma das falas demonstrou a disposição para articular e reforçar, nacionalmente, as lutas de resistência que já são travadas em cada território.
Para Daniel Lins, assessor Jurídico e de Incidência Política da CBNE2, o encontro mostrou a potência da coesão das comunidades para encarar o desafio que compartilham. “A troca de experiências locais foi um ponto alto desse encontro. Saímos inspirados e animados para o desenvolvimento de ações integradas de incidência política com a força desse coletivo. Pensando em nossa rede, temos uma missão de chegar aos territórios ameaçados e fortalecer a luta das comunidades já impactadas para salvaguardar seus direitos”.
O cenário não traz boas perspectivas. O plano de expansão energética brasileiro prevê a construção de centenas de empreendimentos eólicos e solares, sobretudo no Nordeste. Os integrantes do MAR (Movimento dos Atingidos por Renováveis) contestam o discurso utilizado pelo governo e empresas para justificar esta expansão: “Não existe transição energética, nem desenvolvimento. O que existe é o mesmo colonialismo extrativista de sempre com um discurso falacioso”, afirma
Nevinha Valentim, que faz parte do Movimento.
A resistência inclui comunidades que já sofrem o impacto de usinas eólicas e solares instaladas em seus territórios. São pessoas que perdem a saúde física e mental; que veem sua produção de alimentos ser reduzida drasticamente; que são forçadas a abandonar seus territórios, modos de vida e laços afetivos.
Celeste de Souza, pescadora do delta do Parnaíba, no Piauí, relata que, além de terem suas casas destruídas e a saúde abalada, os pescadores afetados pelas usinas eólicas estão em defesa do ecossistema, cujas alterações ameaçam sua sobrevivência. “Elas causam problemas pra toda biodiversidade. As tartarugas desviam sua rota de reprodução; e algumas espécies de peixes que são fundamentais para toda a cadeia alimentar pesqueira, como a saúna e a tainha, estão ameaçadas”, diz.
Os problemas não estão restritos às eólicas. Zuíla Santos, da Associação Quilombola de Pitombeira, na Paraíba, é uma das que sentem os impactos das usinas fotovoltaicas. “Durante a implantação, devido ao uso de dinamite para nivelamento do solo, nossas casas e nossas cisternas ficaram todas rachadas e até agora não conseguimos reparação. Sofremos com o calor por conta da destruição da vegetação que existia antes. Os animais, expulsos de seu ambiente e sem ter mais seu alimento, estão invadindo nossas casas. Raposas e gatos do mato, que têm hábito noturno, estão comendo nossas galinhas à luz do dia. Animais peçonhentos, como cobras, estão constantemente nos visitando porque não têm mais seu ambiente natural”, relata.
Para Sara Payayá, da comunidade indígena Payayá, na Chapada Diamantina (BA), outros dois problemas se sobrepõem a esses. “Eu vejo a história da colonização se repetir, com nossas mulheres sendo ludibriadas pelos homens que chegam com estes empreendimentos e novas formas de estupro. E estou em defesa também das pinturas rupestres que estão nas nossas serras. Cada torre instalada sobre estas inscrições destroem um pedaço de nossa história”, diz.
O 1º Encontro do Movimento dos Atingidos por Renováveis (MAR) foi um momento para compartilhamento das experiências de luta e de resistência que estão sendo travadas nos diversos territórios. O objetivo é articular estas lutas, em território nacional, e com uma agenda integrada de atividades. Neste processo, outros movimentos se unem ao MAR, como o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
Fotos: Walisson Rodrigues e CBNE2